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Viagem ao Estrangeiro

livros e viajantes

mês

fevereiro 2014

Tebas e Corinto

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Eu sei, eu sei. Não estou em dia com os meus relatos. São esparsos, incompletos, intuem lacunas que soam mais a confusão que a artifício narrativo. O que fazer se os olhos mudam com a paisagem?

Torci o pé esquerdo semana passada. No dia seguinte havia um inchaço considerável, e aventei a possibilidade de ir ao hospital. Mantive contato com uma amiga no Brasil, muito querida, para quem enviei selfies do meu pé de tantas em tantas horas. No final, não precisei imobilizar; o inchaço diminuía. Mas precisaria ficar de molho no quarto por uma semana, e me pareceu desolador apenas conceber esta possibilidade. Havia comprado o bilhete de trem para Chiang Mai, a segunda maior cidade na Tailândia, que ficava a doze horas de trem ao norte e perto das fronteiras com Laos, Mianmar e China, em uma das extremidades da cordilheira do Himalaia. Chiang Mai, diziam, é mais tranquila e fresca que a capital. Com a iminência de minha nova partida, queria visitar vários lugares que tinha deixado para o final. Fiasco de viajante, amarguei. Uma torção no pé, um simples passo em falso. Eu não me enfiara numa floresta com babuínos raivosos, nem fizera manobras radicais com a minha moto. Não tinha escalado um paredão e nem tentara uma posição pouco ortodoxa nas aulas de ioga. Apenas torci o pé no último degrau, mais alto que os anteriores, de uma escada do Zaks no Sukhumnvit Soi 11, onde dançara durante algumas horas. Meus pés são voltados para dentro, o que costuma acontecer com fisiologias com pouco alongamento. Quando estou sentado, não consigo deixar as pernas fechadas por muito tempo. Elas sempre se inclinam para fora. Com as minhas dores lombares, a calcificação no ombro esquerdo, o pulso direito fodido e o joelho direito inconstante, meu corpo todo era um calcanhar de Aquiles. Velho. E agora sozinho, no alto de minhas tolas pretensões itinerantes.

Um drama, claro. Vão dizer: um verdadeiro melodrama. Não sinto tantas dores assim, estou exagerando. Eu nunca sei. A minha criação não contemplou o que não é tudo ou nada, o caminho razoável do cuidado não neurótico; ainda estou aprendendo – sempre – a lidar com a minha própria ambiguidade. “Viajo para conhecer a minha geografia”, é a citação de Suicídios Exemplares, de Vila-Matas.

As it turned out, no fim, no final, no fim das contas, a semana de reclusão revelou-se um descanso, uma revisão profunda, o ventre da baleia de modo tal como jamais poderia em uma cidade povoada de espaços familiares. Não sei se estou dramatizando aqui também. Colocar em palavras sempre produz esta ênfase. Ventre ou não ventre (a loucura pode ser um ventre sem saída de epifanias insofismáveis), lembrei-me de como ler e escrever num outro país são atividades que adquirem a densidade e a concentração que tinham na adolescência, essa espiral no tempo em torno do presente durante um ato. Ato de concentração e dispersão absolutas. Um silêncio interno na estranheza. E havia perdido isso. Em certa medida, seguirá perdido para sempre, porque adulto é preciso muita entrega (ou uma estabilidade financeira, afetiva) para calar as preocupações. Recomecei a ler 2666, a última obra de Bolaño, cujo personagem principal é uma cidade fantasma na fronteira do México onde mulheres pobres e sem nome são assassinadas às milhares e cujos corpos aparecem no deserto, como se pertencessem ao deserto, como se nunca tivessem saído daquela paisagem vazia. Bolaño consegue transformar o que é exótico em uma proliferação enigmática. Ele descreve o entardecer como uma rosa carnívora; em outro ponto, comenta que determinado piso rescendia a tabaco holandês; o deserto é um jardim petrificado, proliferando narrativas entre o sentido e a falta de sentido, feito uma boa novela criminal que nos pretende confundir a cada revelação, e apresentar verdades de passagem. O que significaria Testamento Geométrico, pendurado num varal como um ready-made de Duchamp? Por que um crítico italiano, outro espanhol, um francês e uma inglesa seguiriam atrás de um escritor alemão no México? E aqueles milhares de sonhos exuberantes que parecem um recurso ruim e repisado, mas que por sua profusão são tomados por nova luz? São muitas as mensagens. Uma das cenas que apresenta o quase-alterego de Bolaño, um sujeito chamado Amalfitano, segue assim:

– O exílio deve ser algo terrível – disse Norton, compreensiva.

– Na verdade – disse Amalfitano – agora o vejo como um movimento natural, algo que, a sua maneira, contribui para abolir o destino ou o que comumente se considera o destino.

– Mas o exílio – disse Pelletier – está cheio de inconvenientes, de saltos e rupturas que mais ou menos se repetem e que dificultam qualquer coisa importante que se proponha a fazer.

– Aí radica precisamente – disse Amalfitano – a abolição do destino.

Em um texto crítico Bolaño afirmava o exílio como a entrega do destino nas mãos do acaso. Seria o acaso, portanto, estes “inconvenientes, saltos e rupturas” que persigo e o que me diferencia de um escritor de renome que vai a algum festival qualquer de literatura, passa lá cinco dias tomando cerveja com os amigos e volta se gabando de que compreendeu a alma do país, como se tivesse realmente se permitido sair de seus trejeitos, seu círculo seguro de amigos e opiniões. Mas como a viagem poderá ser a abolição do destino? Não seria ela a sua consumação? Bolaño deve estar se referindo à determinação contingencial, a este pensamento nacional e introvertido. Se Bolaño continuasse no Chile aspiraria apenas à poesia chilena. Como saiu, pode dizer com Nicanor Parra que os quatro maiores poetas chilenos são três, Alfonso de Ercilla e Ruben Darío, que nem chilenos eram. Foram viajantes, gente de passagem, como Bolaño. O destino seria aqui uma restrição, a permanência em uma mesma posição. É fácil criticar o poeta doméstico e provinciano, os embates entre os poetas por uma respeitabilidade que os alce para além das monotonias da classe média; mais difícil é falar mal do velho artesão japonês, desde a juventude torneando o mesmo vaso. A repetição e a continuidade, contudo, não me soam a destino. Ou podem ser, mas precisam ser confrontados com o destino trágico: o jovem Édipo – do grego, Οἰδίπους, Oidípous, “pés inchados” – viaja para fugir ao destino e o reencontra, enganado pela ilusão de que o conhece. Édipo foge de Corinto após saber de seu destino pelo oráculo de Delfos. Seus pais, no entanto, são o rei e a rainha de Tebas, que abandonaram o filho aos lobos após ouvirem a mesma sentença do oráculo. Édipo não sabe que seu verdadeiro lar é Tebas; pois foi adotado ainda bebê pelo rei de Corinto. Édipo vai de Corinto a Tebas. Quanto mais distante, mais próximo está. Seu lar é um outro lar. Seu lar é a tragédia, do qual, para o qual, ele foge e encontra.

Já Bolaño viaja para que obstáculos obstem os seus tolos objetivos, o que ele vê como perfeitamente natural. Não somos impotentes frente aos deuses que traçam o nosso caminho. Podemos parar de jogar, boicotar o sistema, romper as engrenagens azeitadas. Bolaño vendendo bijuterias na cidade costeira de Blanes, Bolaño enlouquecendo de fome e solidão numa casa de campo, Bolaño como segurança de um camping nas cercanias de Barcelona, ou furtando livros na capital mexicana. O destino de Édipo não é o destino de Bolaño. Para aquele, uma travessia e um retorno a um lar maldito. Para Bolaño a abolição da ideia de lar, sendo o destino a estreiteza do pensamento assentada na imobilidade. Abolir o destino é o verdadeiro destino se queremos enxergar de modo mais amplo.

Eu não enxergo de modo mais amplo. Meus dias são absolutos, e por isso entro em pânico quando torço o pé, abandono as aulas de alemão e passo três dias escrevendo um comentário em um blogue que talvez não caiba em nenhum livro, mas que bem, são um diálogo interno e externo, uma elaboração. Mas se é preciso pensar mais grande, e daí tentar pensar ainda mais grande, com calma mas sem interrupções (devagar e sempre), devo tentar adivinhar o que estou fazendo aqui, mesmo sabendo que minhas conclusões são pequenas diante de meu destino. Concluo, por ora, que deveria abreviar os posts ao mais imediato, ao anedótico, e concentrar-me naquilo que está realmente se passando e que me ultrapassa. Cheguei aqui querendo tudo, ser jornalista, guia de viagens, fotógrafo e expedicionário. Agora só quero viajar devagar, manter-me, ler e escrever o meu livro. Não três livros. Apenas este, que durante meus dias de imobilidade recomecei a planejar. Escrevo atrás de estímulos que me escrevam. Para este um livro, que faz parte da coleção “Pequenos Exílios”, mas que integra também um plano maior, e que ainda se tornará maior. E neste livro escreverei aquilo que por pudor ou ambição, não ousei confessar aqui.

Estou em Chiang Mai, que é realmente mais fresca e amigável que Bangkok. Aqui farei as aulas de ioga, a meditação, entrarei em contato com as ongs de refugiados birmaneses e escreverei. Vamos ver o que mais me reserva.

Partida, Jogo

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Continuo perdido, mas pelo menos estou lendo Beckett. “Que horas são?” “A hora de sempre.” “Algo segue o seu curso.” Terminei a peça e saí do apartamento para mais uma aula de lindy hop, embora a vontade fosse de ficar escrevendo, ainda que eu não conseguisse escrever e estivesse me torturando com isso. Já na rua, sem caderno e com pressa para encontrar uma amiga, belas ideias (ou frases) se sucediam e perdiam a chance de uma leitura por terceiros, como quando esqueço a câmera e algo novo acontece. Ideias que me alimentavam – literalmente me alimentavam e me consumiam – o entusiasmo da abertura de um fiction novel, de um entusiasmo de juventude esquecido, ou apenas nostalgia. O retorno. Não tinha fome mas parei num lugar para comer, pedi o pad thai, pensando em como seria isso aqui se eu fosse outro, se eu fosse um homem sem palavras – como de fato sou – um homem que pensasse em contabilidades ou partidas de futebol, ou apenas em bundas e outras conquistas, mas isso era apenas o mantra do pensamento, de ainda querer caminhar apesar do encolhimento gradual de meu corpo. Avançar para resistir à morte do corpo. Sujeitar-me a acidentes. Ainda estava chateado com o sumiço das minhas únicas meias bonitas, que não voltaram da lavanderia; já desconfiava de tanta gentileza dos nativos. No mesmo dia encontrara os pijamas que esqueci pendurados no banheiro dentro de um lixo. Um lixo. Cheguei aqui abarrotado de ambições e elas foram sendo substituídas pelo atestado de uma latência, de uma morosidade que aprendi a acolher. A morosidade da sem-razão e do sem-projeto, algo bem budista. Tudo está e não está. Está na hora de abandonar algo.  Estou indo embora de Bangkok – já – porque preciso escapar do ruído e da fumaça de que estava farto antes de chegar. Não quero sair para dançar, mas eu gosto de dançar e eu preciso dançar para me libertar dos pensamentos. Vou pegar um trem para Chiang Mai e não consigo escrever uma palavra deste livro, deste projeto, destas pesquisas. Porque não quero nada disso, só quero estar aqui, obrigando-me a dançar, a conversar para não estar só, porque a história só continua no encontro. A pesquisa é essa. A pesquisa se dá porque sou incansável e estou sempre cansado. A pesquisa continua no descanso. Não os livros que eu trouxe de casa.  O meu corpo, sujeito a esta entrega, à errância e à dúvida. Só literatura, por favor, queria voltar para a literatura, queria que um sinal vermelho começasse a soar e me ensurdecesse a cada vez que eu tivesse alguma bela ideia de jerico de provar para dilacerantes outros internos (e externos, mas pra esses o remédio é outro, é o mesmo) que posso ser qualquer coisa. Calma. Encontro minha amiga na saída do metrô, que me apresenta uma outra amiga, e juntos vamos ao clube. Danço, escrutino os risos ansiosos e rijos no encontro dos corpos, ou os ombros tranquilos e dinâmicos. Aprendo o ritmo básico, ensaio com diferentes corpos. Arrisco fundir uns passos, perco o ritmo, volto ao passo básico. Proponho um novo passo, e transitamos para um segundo movimento. Depois, um terceiro. Depois reunimos todos em sequência, e os passos se intercalam naturalmente. Paro, achando que basta, mas volto para a pista. Me convidam para voltar ou eu me entusiasmo e volto por conta própria. Converso muito, já somos três conversando, depois mais dois ou três. Algumas conversas prosseguem, outras estacam. Risos ainda nervosos. À saída, todos já estão um pouco mais à vontade, prontos para começar. O último degrau da escada é mais alto que os outros, o passo em falso, o ritmo cansado se desconcerta, e torço o pé esquerdo. A dor é imensa. Eu conheço esta queda, sempre um pouco maior. Eu caio, sempre. Sempre algo assim. Só que pior. Trazem gelo, finjo que não é nada, que não se trata de um itinerário conhecido em minha geografia orgânica. Com o saco de gelo vou caminhando com as meninas até o metrô. Um acidente, uma interdição. O corpo que precisa avançar para não morrer. O processo inflamatório já segue o seu curso. O último degrau da escada. Tudo estava tão bem, mas há uma ferida que quer sempre me lembrar. A alergia, a pneumonia, a inflamação, o estalo. O corpo encolhendo, as ideias sem o caderno que as capture. Na peça de Beckett, existem quatro personagens. Dois estão confinados em latões. Um não pode se sentar, outro não pode se levantar. Antes das luzes se acenderem, os atores partilham os votos de boa sorte. Está tudo bem. Não há como evitar. Algo segue seu curso. A pesquisa compreende o algo, o seguir, o curso.

Calor

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O sono é um lugar privilegiado para novas experiências.

O sono compreende o que ao dia era apenas ruído, coceira, ardor.

O sono, pêndulo entre o ar e o abismo, é um impulso para o voo, quando não há sombra que puxe pelos cabelos, efeito da gravidade e do pesar.

Voo na horizontalidade vertiginosa, imobilidade desatada, pequena iluminação, apenas os pulmões inflando.

O ar em mim, o que me impede de submergir.

 

Em casa eu precisava sair e trabalhar o dia todo. Aqui, como tudo já é exterior, preciso deste quarto, e me permito ficar.

 

Precisa querer muito. O que te impede: confunde ou revela?

 

Vontade de dormir.

 

A cidade me desgoverna. O vapor da cidade me empurra de volta para o quarto, onde há um ar frio, potente, uma cama firme e o silêncio dos pássaros no parapeito. Posso me deitar no chão e abrir um livro sobre o budismo sem precisar ler. Posso tomar goles largos de água, trabalhar umas quantas horas, viver descalço.

 

A paixão precisa descansar. Não vale a pena. Já estamos de partida. Tudo já outra coisa. Não fico. Nunca me sinto só. Vou desfazer compromissos. Tudo o que quero é traduzir signos e voltar a cifrá-los. Retirar e devolver ao lugar, tomar umas cervejas, uma conversa.

 

Hoje é isso, e amanhã talvez de novo o vulcão desperte.

Bangkok Blues

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Na noite da sexta-feira retrasada estava tomando uma cerveja em meu quarto, e me lembrei de que aquela garota do casamento, me disse que precisava frequentar umas aulas de ioga porque eu tinha de fazer amigos o quanto antes, o que me inquietou um tanto; não que estivesse sentindo um impulso incontrolável de fazer amigos (havia acabado de chegar), mas de algum modo o comentário me lembrava uma outra garota que conheci em Buenos Aires, e que uma vez me disse que eu precisava fazer amigos, e eu estava bastante satisfeito com os que já tinha feito em tão pouco tempo. Tive muita sorte em Buenos Aires, mas em Bangkok poderia não ser assim. Já havia pagado um mês de hospedagem adiantado em um guest house que encontrei na internet, algo entre hotel e hostel, acessível e cômodo. Ao chegar, descobri que não havia absolutamente nada dos típicos albergue que conhecemos, nenhum bar ou espaços de confraternização com gringos de diferentes tonalidades de vermelho nas bochechas e uma variedade multiétnica do idioma inglês em voz alta no lobby, nenhum Hotel California na jukebox ou uma pequena coleção decorativa de edições Lonely Planet e quadros de notícias ofertando passeios super cools e em dólar. Ficar em um hostel não é tão divertido quanto já achei que poderia ser quando viajei de mochileiro aos quinze, dezesseis, dezoito anos, mas ao menos poderia ter a chance de topar com um grupo divertido, alguma viajante perdida, ou um ânimo empático. Não queria paredes coloridas, mas ao menos que este guest house onde estou não fosse tão escuro, vazio, com uma entrada empilhada de gaiolas com esquilos em pânico, um aquário, dois huskies dormindo o dia todo diante de um ventilador, e um dono que me cumprimenta como se espantasse um mosquito em câmera lenta. Evan é um jovem de Montenegro que a princípio me despertou uma inexplicável desconfiança. Talvez por ter me esclarecido, logo que cheguei, que não aceitaria a entrada de namoradas tailandesas, e eu, sem entender, fui informado de que se tratavam das namoradas profissionais, que não eram prostitutas, mas delicadamente solicitavam ajuda no aluguel em troca de companhia, sexo, cuidado, na esperança de que pudessem se casar e ir morar num país rico. Os farangs e as Tais, um turismo de ingleses barrigudos  e carentes que põem seus apartamentos nos países de origem para alugar, já amargam alguns divórcios e vêm à Tailândia para se aposentarem em alto e decadente estilo, passam as tardes beberiscando long necks numa mesa de bar, e as moças a tiracolo, trocando frases soltas num diálogo de inglês básico, em um cenário de algum outro tempo, retirado de um filme de guerra do Vietnã qualquer. Tais e farangs de mãos dadas são figuras familiares e francamente aceitas. Hoje vi um sujeito com duas jovens muito humildes, tomando um suco num café e fumando um cigarro. Era isso que Evan, o dono do guest house, me proibia de fazer por ali. Mas caso eu me interessasse, falou, baixando a cabeça em sinal de cumplicidade, me explicava como e onde eu poderia arranjar uma boa namorada, e para onde levá-la, caso eu quisesse me divertir.

Eu não estava me sentindo tão sem moral a ponto de estar disposto pagar por atenção, e não enxergava nada de divertido naquilo. Mas pensando que precisava começar a beber em companhia, e entusiasmado pelo efeito da Singha Beer local, comecei a enviar mensagens de encontro no site do couchsurfing, que reúne viajantes e locais e aproxima pessoas com interesses interculturais. Ainda não havia utilizado os recursos da página, e por precaução escrevi para umas doze pessoas residentes ou de passagem pela cidade, imaginando que uma ou duas acabariam respondendo. Vinte horas depois, oito ou nove mensagens apareciam na minha caixa postal, aceitando meu convite para tomar uma cerveja. Outras comentavam que já haviam passado por Bangkok e estavam a caminho de outros destinos. A primeira foi uma tailandesa simpática mas bastante reservada, que mora sozinha e trabalha num escritório, com quem provei de um macarrão com shimeji e bacon. Foi divertido, mas nada digno de mais comentários. A segunda foi uma norteamericana que havia vivido na Coreia do Sul durante um ano, e estava em Bangkok para escrever o seu primeiro roteiro de cinema. De novo, um bom almoço, mas apenas isso. O terceiro – desencontro – foi iniciativa de uma eslovena que vive em Xangai e passaria dois dias em Bangkok. Esta me parecia bem interessante, Mas nos perdemos na estação do metrô, porque não tenho um celular que acesse a internet, embora este chip fique me cobrando 100 Bahts a cada vez que recarrego o aparelho, por me oferecer uma imperdível internet ilimitada.

Havia algo frustrante, mecânico e previsível naqueles encontros. Acabei desmarcando alguns. Uma moça me convidou para um pub e inventei uma desculpa. Um pub? Faça-me o favor. A moça do casamento havia desaparecido, disse que trabalhava muito, voltava no dia oito. Um camarada bem simpático, brasileiro e residente aqui era uma feliz exceção, e apresentava um contraponto às minhas próprias impressões do país. Enquanto isso, eu me preocupava e me enroscava com as pautas que pretendia tratar, ainda sem haver contatado muita gente para entrevistas e ainda disperso em tantos sightseeings.

No fim de semana, uma grega me convidou para uma aula de “hop blues não sei das quantas”, seguida de uma festa. Bora. A moça, arquiteta, chegou com uma espanhola, professora de harpa. Conversamos. Os primeiros passos eram fáceis. Mas daquela aula para a proficiência dos dançarinos da pista durante a festa foi um salto vertiginoso. Havia poucos homens e as garotas me tiravam. Uma alemã. Uma tailandesa. A grega, já divertida. A espanhola, uma francesa. Uma inglesa, uma americana. Eu me desculpava pelas pernas tortas, e não parava. Às vezes caía nos passos do forró. Talvez estivesse dançando uma mistura de salsa e forró. A cerveja era cara, e descia fácil. Lá fora tinham decretado estado de emergência, ficamos sabendo que houve tiroteios entre os anti e os prós. Beber era proibido, mas qualquer controle rigoroso estava impraticável, e bebíamos Leos e Singhas ao som de New Year Blues e umas outras coisas insanas dos anos 1930, ou 1940, ou 1910. Às vezes os círculos se formavam ao redor de um casal. Vinha outro, ficavam girando. A banda ao vivo se exaltava, e o saxofonista entrava na roda para  acompanhar os casais. Todos aplaudiam, queriam conversar e eu já achava muita graça dos tailandeses de boinas.

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